2020/02/26

As estrelas de El Retamal

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Sentei em um banquinho de madeira diante da área de fogueira, delimitada por pedras irregulares em um semicírculo. Era um dos muitos locais destinados a isso, espalhados na clareira diante do Refúgio Retamal. Apesar de estarmos a horas de caminhada da cidade mais próxima, El Bolsón, na Patagônia argentina, o lugar reunia hordas de jovens do país e do vizinho Chile. O clima era de festa. Pouco antes de escurecer, vi uma garota de 19, 20 anos atravessar a clareira em direção ao bosque, até sua barraca. Recém saída do banho e com uma toalha envolta nos cabelos molhados, metida em um casaco claro de fleece de montanha dos mais caros, botas europeias de caminhada e uma saia que combinava tanto com um passeio no shopping quanto com um trekking na Patagônia, ela deixou um rastro de perfume doce e enjoativo. O cheiro logo se misturou ao de carne assada, vindo das outras fogueiras.

Ignazio, chileno de 26 anos, soprava o fogo sem entusiasmo. "Com essa madeira seca, tem que pegar fácil", pensei. Ajoelhei-me diante das lenhas meticulosamente arranjadas por ele e seus amigos em pirâmide, o que foi difícil devido à dor nas costas de minha empreitada montanhística de horas antes. Soprei com vigor umas cinco ou seis vezes e a fogueira ganhou vida. "Ah, legal! Você tem experiência!", disse meu novo amigo. Na verdade, tenho um pouco. No Sul do Brasil, com toda a umidade, a gente aprende essas coisas meio rápido. Danusa, amiga de Ignazio, observava compenetrada e quieta. Com pouco menos de um metro e sessenta, cabelos negros bem compridos e traços claramente ameríndios, ela tinha me dito pouco antes que era neta de "croatas ou ucranianos, algo assim".

Chegam três sujeitos. Um deles, com uma barba negra farta e olhar amistoso, se aproxima falando portunhol: "E aí cara, belessa? Brasssil! País múto loko! Legal cara!!! Eu morê no Salvador! Sou do Chile!". Outro chileno com tipo de galã chega com ele, sorridente com seus olhos grandes, campeira de montanha coberta de poeira patagônica e um lenço escuro amarrado no pescoço. Aperta minha mão com força. "É de Salvador? Bahia!!!". "Não, sou do Sul do Brasil, mas já morei na Bahia". O terceiro era argentino. Magro e abatido, parecia bem mais velho do que realmente era, e trazia nas mãos uma travessa com massa. "Vamos fazer pizza na fogueira! Já comeu? Alguém me ajuda com a parrilla?".

Escurece, e então, o céu cintila de um jeito que não via há anos. Órion está lá, se preparando para lançar sua flecha em um arco altamente tensionado. Em menos de um minuto, vejo um satélite artificial o cruzando. Mostro o ponto cintilante e rápido a Danusa, que logo vê e aponta para um segundo em outro quadrante. Pouco depois, o argentino vê  um terceiro. Quando olho para cima de novo, uma estrela cadente. Seria a primeira de seis. O céu patagônico é um prodígio.

Danusa vai ao banheiro. O chileno Don Juan pergunta a Ignazio se ele está apaixonado. "Não, ela é só minha amiga. Estamos viajando juntos, só isso". "Quer dizer que posso chegar nela, e tudo bem?" Ignazio fica sem jeito. "Ela faz o que quiser!".

A animação nas outras fogueiras está bem maior que na nossa. Estão, no mínimo, provendo mais calor, e os nossos vizinhos parecem bem mais bêbados que nós. Os dois chilenos que acabo de conhecer alimentam a nossa com gravetos médios enquanto Ignazio e o argentino espalham a massa em uma forma, sentados na mesa de madeira a alguns passos. Eu mato minha primeira garrafa de vinho da noite. Danusa volta e reclama do frio. Na fogueira mais próxima, jovens bem-nascidos gargalham alto enquanto a caixa JBL toca um rock argentino dos anos 80 nada mau. Nosso fogo está fraco demais. Ignazio vai até os vizinhos, pede um galho em chamas e o espeta nele, que finalmente começa a funcionar de verdade. "Querem ajuda?", pergunto. "Não, você é nosso convidado de honra. Pode abrir o outro vinho, ali?".

Abro. Parece que mais ninguém está bebendo só vinho, então, encho meu copo sem parcimônia. O argentino chega com duas pizzas cruas cheias de molho de tomate e tiras irregulares de queijo, e as coloca numa grelha, montada displicentemente em cima do fogo. As bordas da torta queimam na hora, mas ninguém reclama, ou tenta fazer alguma coisa. Sugiro diminuir o fogo um pouquinho. Espalho as brasas com um toco e volto para o meu canto. 

Os chilenos cochicham e vão até a fogueira vizinha. O argentino, escondido em um casaco camuflado de número maior que o seu e uma toca peruana colorida, senta no banco à minha frente, tentando se aquecer um pouco. Estende as mãos em cima das pizzas e suspira. Danusa pergunta o que ele estuda. "Segurança do trabalho. As empresas aqui são obrigadas a ter um técnico de segurança. Pra ver se os funcionários estão usando as botas, as luvas, essas coisas. Se não estão perdendo os dedos numa talhadeira.".

Os chilenos voltam com duas garotas. Já vira uma delas na chegada no refúgio, quando passei por sua mesa na entrada da construção e a ouvi falando inglês. Tinha notado seu forte sotaque germânico ou eslavo, e estava literalmente mamando uma garrafa de vinho, bebendo direto do gargalo. Eu chegara de uma caminhada pesada e tudo o que queria era paz para dormir cedo. A visão dela mais me fizera me perguntar se eu não tinha infelizmente caído justo num famoso "refúgio de fiesta".

Era muito raro encontrar ali alguém falando uma língua que não fosse o Espanhol. A reserva natural ainda não tinha sido descoberta pelas hordas de europeus e norte-americanos. Eu certamente era o único brasileiro em quilômetros e quilômetros quadrados. Era quase um alívio escutar alguém falando uma língua diferente. Ela me lembrava John Lennon, com seus óculos de aros redondos pendurados na ponta do nariz longo e cabelos castanhos-claros lisos, repartidos no meio. A outra garota era argentina. Visual hippie de boutique básico, cabelos curtos e sempre um cigarro enrolado entre os dedos.

"De onde você é?", Danusa pergunta a Lennon. "Inglaterra". "De que parte?". "Manchester". "Manchester?", pergunto. "Legal, tenho muitos amigos famosos em Salford!". "Ah!!! Salford!!!". Sinto um incômodo nela, que depois de ouvir essa palavra, fica de costas para nós, e começa a conversar animadamente com o chileno Don Juan, que pega minha segunda garrafa de vinho e enche o copo dela. "Não posso julga-la", penso. "Quem é que já não se passou por alguém de Manchester para se dar bem?". Nos próximos minutos, noto que ela nos evita por eu ter descoberto o seu disfarce, apesar de não lembrar ter comentado isso com Danusa ou Ignazio. 

Alguns minutos se passam e ela nos olha por cima dos ombros. "Alguém aí tem mais vinho?" Ignazio me pisca com o canto dos olhos e eu escondo com os pés uma terceira garrafa, jogada no chão, que ele trouxera do refúgio assim que sua cerveja terminou.

A argentina engatou num papo com Danusa sobre as dificuldades de ser vegana na Argentina. Ela se arrisca no português e me pergunta sobre a situação do Brasil nesse quesito. "As pessoas se viram bem lá, eu acho".   

Logo, Lennon convoca Don Juan e sua amiga para visitar as outras fogueiras e quem sabe conseguir um pouco mais de vinho. O refúgio a menos de 100 metros é uma casa de madeira grande de dois andares, com janelas de chalé no segundo andar. Suas luzes se apagam. É a deixa para o toque de recolher. Antes, sou praticamente obrigado a comer um pedaço de pizza queimada, que eles insistem em chamar de "piça". Já comi muitas bem piores que essa, mas estou sem fome.

Despeço-me da turma e vou para uma cabana em um extremo do gramado. É um quarto trapezoide pequeno, com uma cama de casal no fundo e duas outras em seus lados. A ordem aqui é dividir o leito com um desconhecido. Minha sorte é que meu desconhecido desistiu disso. As duas outras camas estão ocupadas, a da esquerda por um casal mais velho (que eu, suponho), e a da direita, por três garotas, cada uma metida em seu saco de dormir. Uma delas ronca alto. Deito no meu colchão desocupado e apago em cinco minutos. 

No meio da noite, levanto para ir ao banheiro numa casinha na borda do bosque. Olho rapidamente para o céu estrelado e, mais uma vez, dou de cara com um satélite. O ar gelado me faz voltar pulando para o aconchego de meu saco de dormir. Apago sem dificuldades, mas as estrelas continuam lá, cintilando em volta da e sobre a fogueira patagônica.

2012/08/07

Verdade ou Consequências: De Como achei ter sido cortejado por um selo britânico em 1990

Meu nome é Cassiano Fagundes e eu gosto muito do nome de uma cidade do Novo México, nos Estados Unidos: "Truth Or Consequenses". O lugar de seis mil habitantes antes era chamado de "Hot Springs", mas quando um radialista anunciou que levaria seu programa muito popular com esse nome para a primeira cidade que começasse a se chamar assim, os "Hot Springuenses" decidiram que valia muito a pena o câmbio. Não que os moradores tenham se tornado caubóis valentões do tipo "Se você não me disser exatamente qual é a parada, vai ter que arcar com as consequências". Bem, tenho certeza que alguns que já eram assim se sentiram um pouco mais durões com o novo nome da cidade, e talvez os covardes possam ter se sentido pela primeira vez um pouco mais corajosos. O fato é que assim que eu soube que existia essa "Verdade ou Consequências", decidi que esse seria o nome de uma banda de country rock "louca" que eu um dia teria.

Mas essa banda de country rock não aconteceu do jeito que eu imaginei, apesar de um acontecimento que me fez pensar o contrário. Aos 17 anos, um pouco influenciado pelos ares mórbidos e depressivos daquela década modorrenta que havia finalmente acabado, os anos 80, tinha certeza que posar de caubói gótico satanista, um híbrido entre Billy The Kid e Bela Lugosi, seria o esquema que me deixaria rico, famoso e feliz, e que todo mundo ia entender a piada. Mas eu estava em Curitiba, uma cidade onde, segundo meus companheiros musicais catarinenses, decididamente não se entende piadas. E não apenas isso: apesar da cidade ter recebido naquele mesmo ano um show do Jesus And Mary Chain e de na época ter várias bandas interessantes, não tinha esse negócio de "Fora do Eixo", baby.  Era terra de ninguém pra quem não fazia ou gostava de sertanejo, pagode, axé, para quem cantava em Inglês e sabia o que eram pedais Digital Delay, Flanger, Phaser e Chorus. E não havia internet. Mesmo sabendo que estava no lugar errado, fazendo a coisa errada e na hora errada, decidi dar cabo ao meu plano. O que mais eu poderia fazer?


A ideia me veio por causa do Fields of The Nephilim, uma banda que reciclou alguns climões das trilhas de westerns spaghettis de Enio Morriconi, embebendo-os na morbidez expressionista do rock gótico britânico. Como cresci escutando Kenny Rogers e sempre tive mais do que uma queda por Siouxsie and The Banshees & companhia, foi bem fácil fazer a conexão. Só me esqueci que não estava no Novo México, e muito menos, em Sheffield. Era incapaz de gostar de música sertaneja, e substitui-la pela referência country norte-americana, ou de fazer uma letra decente em Português. Meu objetivo era, nessa ordem: compor canções que captassem esse clima country gótico, que por ser feito no sul do Brasil, soaria muito exótico; gravar uma demo minimamente boa; enviá-la para gravadoras inglesas e americanas; e esperar pelo sucesso certo, ignorando completamente Curitiba e o Brasil, já que ninguém ia curtir o que eu estava para fazer, mesmo.

Com a ajuda de um amigo multinstrumentista e letrado em magia negra, o Eduardo, compus três músicas em dois dias, e gravei tudo em um estúdio caseiro de um amigo, cantando, tocando guitarras e baixo, enquanto Eduardo colocou os teclados, que tinham sons bem ruins até para a época, mas que foram muito bem tocados.  "Magog", a primeira das canções dessa sessão, tinha a mesma batida de "Ruby Don`t Take Your Love to Town" de Kenny Rogers, aquele tum-tá que remete a um trem em movimento, e guitarras com quilos e mais quilos de efeitos. Tentei cantar como Nick Cave, mas, pelo que me lembro - não tenho mais essa gravação - soou como uma espécie de Caubi Peixoto. A segunda, "Marble Face", tinha uma sequência melódica bem interessante, tirada de algumas coisas que tentei assimilar do guitarrista dos Banshees, John MacGeoch. O fator country ficou por conta de uma tentativa frustrada de emular uma pedal steel guitar. É aí que o "louco" entrou na jogada.

"Gostei muito das guitarras de 'Marble Face'. Muito interessante. Coisa louca. ("Crazy stuff")", me escreveu um executivo de um dos mais respeitados selos independentes do mundo, que apesar de não existir mais, é ainda reverenciado por seu pioneirismo. O cara, um neozelandês que anos depois morreu afogado na Jamaica, também elogiou "Magog" e a terceira música da demo, "Broken", um instrumental barulhento no qual guitarras, teclados e um baixo distorcido e levemente desafinado competiam pela atenção do ouvinte, numa chupação descarada a alguns lados B de compactos do The Cure. A carta do selo britânico veio com uma fita cassete exclusiva, uma coletânea com seus últimos lançamentos.

"Uau! - pensei - um selo inglês elogiou meu som e quer lança-lo!". A verdade é que na carta que chegou na casa de meus pais, não havia nada mais do que palavras expressando surpresa por terem recebido algo tão inesperado de um lugar do mundo que nem mesmo sabiam que existia, além dos elogios ao meu som, um agradecimento por eu ter entrado em contato, uma fita cassete exclusiva e um "muito obrigado e boa sorte". Ah, o executivo também fez uma sugestão: "Troque o nome de sua banda. Já existe uma Truth or Consequenses".

Aquilo foi o suficiente para me encher de esperança e sonhos. Certo de que a carta-resposta significava que minha vida estava feita e que eu teria uma ascensão dramática e espetacular ao estrelato por ser talvez a primeira banda independente brasileira a ter um contrato com um selo inglês (eu não sabia, mas isso já havia acontecido), tratei de montar o grupo propriamente dito e começar a ensaiar, dizendo aos integrantes para que providenciassem passaportes. De certa forma, até hoje estou esperando o segundo contato desse selo que não existe mais.


2011/08/16

Ilha da Fantasia: Novas Bandas Fazem Alvoroço em NYC (1999)


Festa de Natal no Max's Kansas City, 1975. Foto: Bob "Amigão" Gruen


THE BLAKE BROTHERS COMPANY

Esses fãs confessos de Captain Beefheart são liderados pelo catarinense Armando Jacobim e não há irmãos consanguíneos em sua formação. O som o "BBC" vem sendo obervado com atenção pela crítica, e é sondado pelas grandes gravadoras e público. A fórmula é simples: rock'n'roll sulista à la Lynrd Skynrd, porém dodecafônico. Vocal embriagado e cortante, saturado de distorção, letras que falam sobre sexo, Rosacruz & impérios em decadência. Samples de latidos e uivos caninos são os vocais de apoio. Mas o que realmente interessou a revista "Vogue" foi o visual vitoriano da banda, que tem como uniforme jaquetões inspirados em Edgar Allan Poe e cabelos e costeletas Sherlock Holmes. Lançou o Ep "Vapour (Interstellar Solution).

JASON TORQUAY & THE NEW NEWTONS

Muitos consideram Jason Torquay uma peste inconveniente, um sujeito verdadeiramente chato. Há anos ele é visto em festas e em shows com seu violão, irrompendo no meio das apresentações de outros músicos com suas canções lamuriosas no que chama de "pirataria sônica", que significa interromper o espetáculo dos outros com o seu próprio, a fim de roubar o público da apresentação "oficial". Sua técnica sempre foi se infiltrar entre as pessoas na plateia com uma guitarra e um amplificador portátil debaixo do braço. Não me perguntem como sempre conseguiu passar pelos seguranças.

Desnecessário dizer que por conta disso, Torquay já levou muito tabefe, porrada, cuspe e expulsão violenta dos lugares, além de estar na lista negra de diversos clubes de Williamsburg, do East Village e o Lower East Side, onde vive com seu cachorro ("Quem mais o aguentaria, além de um cão idoso abandonado?", disse Esther Garret em sua coluna do Village Voice, antes de elogiar sua música).

Acontece que um dia, Jason se uniu a um grupo de amigos da Philadelphia e criou algumas das baladas mais belas que se ouviu desde os Waterboys. O lirismo de Torquay é a grande vedete, além do estranhamento causado por seu tamanho: Jason é um dos homens mais altos e magros do showbizz, e contrasta com os New Newtons, irlandeses gordinhos de baixa estatura que invariavelmente brigam entre si durante os shows. Como é que um cara desses conseguia entrar em tudo que é lugar com uma guitarra? "E se fosse uma arma?" já ouvi esse comentário algumas vezes. A voz de Jason é um pouco estridente demais e as canções nunca tem menos que 6 minutos. Por essas e outras, Jason Torquay & The New Newtons foi chamada pela Vice Magazine de "A banda chata mais legal dos últimos tempos". Jason teve a manha de assinar com a A&M Records, parece. Conferir essa info.

KEMPO

Na encruzilhada mais distante e improvável do Bronx, encontra-se o bi-étnico Kempo. O som instrumental é construído pela união do DJ jamaicano Ben D. e seu assecla, o polonês Koproski, que toca um cravo de verdade enquanto Ben costura seu Hip Hop "de raiz". Com influências díspares como Vivaldi, Schubert (Dip?), DJ Shadow e Public Enemy, o Kempo ainda não foi bem decodificado pelo público novaiorquino.

THE EXPLODING TICKETS

Esses ingleses vivem em NYC desde 1993 e são o mais próximo que a eletrônica chegou do punk rock em 1998. Eles tem sido reverenciado por uma legião de fãs dos "dois lados do lago" ( o Oceano Atlântico, no caso). Negócio é o seguinte: eles querem tornar a mu...(texto interrompido).

tentativa de escrever no Metrô depois de um dia cansativo. dá pra sacar?

2011/06/28

Biografia do Bad Folks

2002-2011

Bad Folks em 2008


O Bad Folks recentemente gravou uma apresentação no estúdio da TV UFPR (Curitiba) de oito músicas. O programa foi reprisado diariamente durante uma semana pelo canal 15 da NET, e isso reacendeu o interesse pelo grupo. Assista aqui .

A formação tem fãs no Brasil inteiro, e está ativa há quase 10 anos.

Depois de passar um ano na Bahia, voltei a Curitiba em 2002 e formei com Caio Marques, JC Branco, Guto Gevaerd e André Scheinkmann o Bad Folks. Todos os integrantes haviam passado por bandas conhecidas da cena independente curitibana e com renome nacional (Woyzeck, Wandula, UV Ray e Frutos Madurinhos do Amor). Influenciados por folk irlandês, Johnny Cash, Bob Dylan, The Clash, Elvis Costello e Television, gravamos composições que eu começara a fazer em Nova York e músicas do Caio. O EP de estreia chegou em 2003. Uma delas (escritas por mim):

Bad Folks EP (2003) by cassim

Arte do flyer e da capa do EP do Bad Folks. Criada por Guilherme Caldas, da Candyland


Em seguida, nossos amigos e antigos colaboradores, baseados em NY, Artur Kummer e Cleverson de Oliveira, produziram na Grande Maçã o clipe da música do mesmo EP, "Big White Chase" (também minha). O protagonista desse clipe é Shawn Butler, que mais tarde fundaria o selo BNS Sessions e lançaria o Cassim & Barbária nos EUA. Assista ao clipe:



Na Pensata, coluna de Lúcio Ribeiro na Folha Online, o jornalista escreveu:

"* Outra banda que consegue se dar bem lá fora é a Bad Folks, também curitibana (também como o Bonde do Rolê. Não também como o CSS). Espécie de Wilco brasileiro, os folks do Bad Folks (hehe) tiveram um vídeo produzido pela produtora americana Mad Toy, de Nova York. Parece que rola na MTV gringa, em horários alternativos. O clipe é ótimo e pode ser visto no site da Mad Toy (www.madtoy.tv). A Mad Toy é uma produtora que faz TV, filmes, comerciais, pornografia, clipes para o Four Tet e Devendra Banhart. A música do Bad Folks é "Big White Chase". O clipe tem uma história que envolve tubarões. Outra hora eu explico a história. Vê lá.".

Em 2002, com menos de um ano de formação, fomos convidados a participar do programa de TV Ciclojam, do produtor Cyro Ridal. Acabamos incluindo algumas versões de clássicos na apresentação, que foi reprisada muitas vezes pela TV Futura/Lumen do Paraná:



Em 2003, tocamos no Curitiba Pop Festival e o show ficou entre os cinco mais votados em uma enquete online da Folha de São Paulo. Começamos a fazer shows fora de nossa terra natal, com destaque para uma série de apresentações em São Paulo, Florianópolis e Joinville.

No ano seguinte, aproveitamos uma oportunidade única e fizemos dois shows na Espanha: um em Barcelona e outro em San Joan Despi. Tivemos a oportunidade de tocar com a conhecida banda pós-punk catalã Los Carradine, que tinha acabado de voltar às atividades e garantiram um bom público para nossas apresentações.

Uma mini-entrevista com o Bad Folks:
http://colunistas.ig.com.br/revoluttion/2006/10/12/dez-mini-entrevistas/

No final de 2007, começamos a gravar nosso primeiro álbum, a ser lançado pela Discos Voadores. Na mesma época, me mudei para Florianópolis. Foram dez faixas, no total, 5 minhas e 5 do Caio. Nossa sonoridade havia se enriquecido bastante com a chegada de Denis Nunes, que além de baixista é um excelente arranjador. O nome do disco veio de um cartaz que eu e o Caio vimos em um supermercado de Barcelona: "Mès Barat, Impossible!" ("Mais Barato, Impossível", em catalão).
Escute:
Cerebellum & CO (Cassiano Fagundes)

If You Wanna Say Something (Caio Marques)

O disco saiu em 2008 e foi bem recebido:


Resenha de "Impossible", o primeiro disco do Bad Folks, na Folha SP, que o avaliou como "Excelente".

Desde seu começo, o Bad Folks teve fãs na Argentina. O site Zona Indie colocou Impossible em destaque, aqui.

Seguindo a excelente recepção do disco, o Bad Folks tocou no festival Bananada, em Goiânia, e em seguida, partiu para SP para shows e a gravação de sua participação no Poploaded, de Lúcio Ribeiro e Fábio Massari. As duas primeiras são minhas. A terceira é do Caio:







O show de lançamento do CD "Impossible" foi no tradicional teatrodo TUC, em Curitiba. Com capacidade máxima, o lugar vibrou com a apresentação da bandam tida pelos presentes como uma das melhores da história do grupo.

Veja as fotos do show do TUC

Desde 2007, vivo em Florianópolis, e os compromissos com o Cassim & Barbária, grupo baseado na capital catarinense, fizeram com que o ritmo de atividades do Bad Folks diminuísse até então. Mas em 2011, a banda voltou a fazer shows com maior frequência e vai lançar seu segundo disco em 2012, ano em que completa dez anos de atividade.

Mais sobre o Bad Folks:

Myspace

http://www.mondobacana.com/myblog/bad-folks-e-o-dia-que-os-cowboys-dos-pinheirais-chegarao-ao-topo-do-mundo.html



A História do Magog

1992

Formei o Magog em Curitiba em 1990, mas as atividades só começaram de verdade em 1992. Eu tinha acabado de fazer uma viagem pelo Reino Unido e trouxe na bagagem discos de bandas de uma cena do underground londrino que era correlata a o que foi chamado pela imprensa de grunge. Mas o som de Londres era mais sujo e arrastado do que os que a turma de Seattle estava fazendo.


O jornalista e músico Fernando Naporano organizou uma coletânea que saiu em vinil no Brasil - "Another Kind of Noise" , e que trazia alguns desses grupos, como Gallon Drunk, Daisy Chainsaw, Milk e Sun Carriage. Essas duas últimas e mais uma, o Silverfish, tive a sorte de ver ao vivo na capital britânica, e causaram um impacto muito grande em mim, tanto pela quantidade de barulho que faziam quanto pela sua estética niilista. Eu quis incorporar isso no som do Magog, que tinha começado como uma banda de rock gótico, mas que também tocava covers de Buffalo Springfield e Neil Young (!).

Tive a sorte de encontrar as pessoas certas para colocar o projeto em prática, e logo gravamos essa música, que virou hit em Curitiba e até deu nome ao caderno de cultura jovem do jornal Gazeta do Povo:

Magog - Fun (1992) by cassim


O baixista Jansen Botana já vinha tocando comigo há algum tempo; Marcio Kulik tinha uma batida pesada, perfeita para emular os bons momentos da cena sem nome, que muitos insistiram em chamar de "lurch" ou "crustie" por causa dos dreadlocks que seus músicos usavam; e Anderson Cavassim, conhecido como Puga, já era um guitarrista com certa notoriedade na cena de Hard Rock e Heavy Metal de Curitiba. Na época, eu com 19 anos achei arriscado colocar no Magog um cara que nunca tinha ouvido falar de bandas como Ride e Jesus and Mary Chain, e que era fã de Danzig, mas achei que sua criatividade compensaria o risco. E compensou. Pouco tempo depois, fomos elogiados na revista Bizz pelo produtor norte-americano Jack Endino (Nirvana, Mudhoney), que estava no Brasil para produzir os Titãs. O que ele disse sobre sermos Heavy Metal de verdade é culpa das guitarras de Puga. E o produtor acertou: eu não pretendia ser Heavy Metal ao gravar a música "Underworld", mas foi como soou para muita gente. Leia o que Jack Endino disse sobre essa canção:

"Underworld" era minha única canção com mais de 3 minutos na época.

Magog underworld (1992) by cassim

O Magog começou bem e naquele ano fez parte da grande movimentação que tomou conta de Curitiba e do Brasil. A cena independente local se fortaleceu com o lançamento da coletânea em CD "Curitiba in Concert", arquitetada por Helinho Pimentel, que na época comandava a hoje lendária Estação Primeira FM, e da coleção de compactos em vinil da Bloody Records, de JR Ferreira, que tinha acabado de abrir o porão sonoro 92 Degrees. Nós entramos no CD. Ao lado de bandas como July Et Joe, CMU Down, Relespública, Acrilírico, Shades Before Dawn, Os Cervejas, Boi Mamão e outras, ajudamos a tornar o 92 Degrees o quartel general do underground curitibano. Foi lá que o JR fez o primeiro festival BIG (Bandas Independentes de Garagem), durante o qual nasceu o bordão que acompanharia todos os shows do Magog até 1997: "Grebo!" - uma alusão às bandas "sujas" britânicas que acabou se tornando termo apropriado pelos frequentadores do bar de JR.

Veja o Magog no BIG de 1992:



O registro do som não é dos melhores, mas "Fun" foi o grande hit dessa cena. Seu clipe, dirigido pelo filmaker Artur Kummer e pelo artista Cleverson Oliveira, passou bastante na MTV Brasil em 1992 e 1993, mas infelizmente, não tenho uma cópia para postar.



1993

Em uma breve temporada em São Paulo, tivemos aventuras na cidade antes de um show no extinto Cais, conhecemos os donos do selo Banguela (Titãs) e fomos entrevistados por MTV, Folha de SP e outros.

1994

Passamos todo o ano anterior tocando em Curitiba e evetualmente em cidades como Florianópolis, Joinville e São Paulo. A formação mudou: saíram Puga e Marcio, entraram o baterista Luciano Vassao, que também tocava música medieval, e o guitarrista Apollo Eleven. O som mudou bastante: entrou Cream, Slade e música medieval no caldo, e eu continuei cantando em Inglês, o que não incomodava nem um pouco os fãs que íamos conquistando. Acabamos sendo incluídos na coletânea "Alface", que foi produzida pelo Carlos Eduardo Miranda e lançada pelo Banguela Records, selo dos Titãs.

Magog - Bark (1994) by cassim

Magog - The Pattern (1994) by cassim

Magog - Eggs (1994) by cassim

Magog - The King of Rock and Roll (1994) by cassim


Fomos convidados para tocar no Juntatribo de Campinas (SP) daquele ano. Por problemas na organização, que fizeram com que tocássemos apenas às 4h da manhã (e pela insistência de Apollo, que assumiu na época a produção executiva da banda), tocamos também no dia seguinte e num horário muito bom. Foi nessa edição do festival que a banda curitibana Resist Control (também integrante da coletânea Alface) empolgou o público tanto que fez com que ele invadisse o palco. Ele acabou cedendo com tanta gente em cima.





Recebemos boas resenhas na Bizz, MTV, Veja, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e outros e fizemos shows em Goiânia, Brasília, São Paulo, Curitiba e Joinville. Nos anos seguintes, o Magog se tornaria um trio (eu, Jansen e Rafael Virmond). Gravamos uma demo, que pretendíamos lançar como o primeiro disco oficial do Magog.

Magog - Demo 1996 by cassim

Ela marca uma mudança de direção em nosso som, que se tornou mais simples e direto. Foi de certa forma uma volta às origens do Magog.

Em 1998, depois de ter passado alguns anos enviando material para gravadoras brasileiras e estrangeiras, acabei recebendo uma proposta de lançamento da demo de 1996 como disco nos EUA pela GoldRush Records.

1998-2001

Eu me mudei para Nova York
em 1998 e tentei acertar o lançamento do primeiro do Magog por um selo norte-americano. Isso chegou muito perto de acontecer no começo de 1999, mas o selo acabou fechando suas portas antes que tudo fosse formalizado.

Em Nova York,
fui correspondente para alguns veículos brasileiros, e também escrevi para uma revista da cidade que enfocava destinos turísticos para famílias. Fiz essa sobre o Paraná

Mas também escrevi bastante sobre música:


Essa sobre o Flaming Lips foi publicada originalmente em 1999


Entre outras coisas, compus bastante na cidade, alimentado por uma dieta mensal de vários shows de artistas de diferentes gerações. Entre os veteranos, assisti, por exemplo, ao Neil Young tocando violão a cinco metros de meu nariz. Também aproveitei a reunião do Moby Grape, banda seminal da cena Haight-Ashbury de San Francisco dos 60s, e de outros como Faust, Gong, Lou Reed, Laurence Tolhurst (The Cure) e Alex Chilton (Big Star), com quem até tomei um café. Fui uma das cinco pessoas no bar vazio que sediou o show de retorno do Silver Apples aos palcos.

Cheguei a trabalhar na Life, boate rock and roll frequentada por astros e vigaristas. Foi lá que ajudei a mulher de Joey Ramone a vestir nele um casaco (Joey já estava meio mal). A lendária travesti Jayne County era DJ da casa. Entrevistei-a para uma revista brasileira e tive a sorte de estar no bar na festa de reunião das Ronettes, na qual elas subiram ao palco com ninguém menos que Keith Richards, Billy Duffy (The Cult) e o já citado Joey Ramone.

Fui igualmente inspirado pelos shows das gerações mais novas (entre elas, a minha), graças a apresentações de Super Furry Animals, Gomez, Blur, Mudhoney, Swervedriver, Nada Surf,
Mercury Rev, Flaming Lips, Air, e muitos outros.

Cheguei a me apresentar sozinho em noites "open mics" da cidade
. Compus bastante nessa fase, na qual me voltei às tradições musicais norte-americanas para buscar inspiração, flertando ao mesmo tempo com ideias da música brasileira:




A ideia de uma banda mais voltada para o folk e o country também nasceu lá, com essa composição, gravada em meu quarto no Upper West Side:



2011/05/17

Andanças nos Andes 2011



Enquanto não recebo permissão para colocar aqui a entrevista bombástica com um dos ufólogos mais controversos da História, vou contar um pouco sobre a viagem que faço agora com meu amigo Marcelus Borges, também conhecido como Presidente. Depois de ganhar duas passagens para Lima, capital do Peru, em uma promoção relâmpago de uma companhia aérea envolvendo milhas e pura sorte, preparei meus pulmões & pés para os bons ares rarefeitos das montanhas andinas.

Uma grande surpresa nos aguardava no aeroporto de Guarulhos: uma velha amiga, Isa, com quem morei por alguns meses em Nova York, e também muito chegada ao Marcelus, estava no embarque com sua mãe. Isa, que mora na Bahia, e sua progenitora, que vive nos States, também estavam indo ao Peru, com Cuzco como objetivo final. Elas passariam alguns dias antes em Lima. Combinamos de nos encontrarmos na capital inca.

O voo desde Curitiba foi muito tranquilo, mas um pouco cansativo. Tive a chance de desenferrujar meu portunhol com a peruana sentada ao meu lado, que entre outras dicas, me fez anotar o nome do melhor chocolate de seu país, Sublime - ela disse que certamente nos daria energia durante as caminhadas por entre os picos nevados. Logo, as nuvens que cobriam todo o território brasileiro deram lugar a uma paisagem estupenda do altiplano boliviano, e o céu absurdamente azul nos permitiu ver os salares, parte do lago Titicaca, vulcões e La Paz. Sendo um geólogo renomado, o Presidente foi lendo os acidentes geográficos, atento às linhas que assinalavam as forças tectônicas que a moldaram, como linhas angulosas, canions abruptos e pendentes com verticalidades impressionantes que tiravam o fôlego do cara só de se imaginar as subindo.

Mas se para a maioria dos passageiros, isso assinalava o fim de uma viagem de 5 horas, para nosotros era o começo de um périplo. Do lado de fora do aeroporto, uma brisa fresca e salgada soprava do Pacífico. Como de costume em Lima por causa da umidade que vem do mar, o céu estava encoberto. Tomamos um táxi por 50 soles - cerca de 30 reais - até a estação rodoviária da empresa Cruz Del Sur, onde pouco depois embarcaríamos em um ônibus espaçoso e confortável em direção a Cuzco, numa viagem de 21 horas sem paradas. Partimos no fim do dia, e enquanto havia luz do sol, pude apreciar a paisagem desértica dos entornos da capital peruana.

No ônibus para Cuzco

Os costumeiros filmes sangrentos e comerciais de aventura foram exibidos nas telas do veículo, mas enquanto Marcelus preferiu dormir logo, eu li um pouco sobre nosso destino e os incas e ouvi no iPod o disco novo de Panda Bear, que é altamente recomendável para viagens. De vez em quando, olhava pelo vidro fumê da janela, e assim que a lua cheia apareceu, isso se tornou mais frequente. Assim que chegamos em Ica, pude ver as dunas que atraem sandboarders iluminadas pelo luar. Em seguida, o ônibus tomou a rota sudeste que começa a subir gradativamente os contrafortes dos Andes. Nas poucas vezes em que acordei, pude apreciar paisagens espetaculares e secas, cânions banhados pela luz lunar, vilarejos adormecidos no meio das montanhas.

Quando o sol nasceu, nos vimos ganhando altitude ao subir opor um grande vale cheio de montanhas muito verticais e cobertas de pedras soltas, morros de calcário com muitas grutas e cavernas. As poblaciones se revelaram em todo o camin ho e seus habitantes invariavelmente se vestiam com roupas tradicionais, especialmente as chollas com suas tranças, chapéus de abas curtas e crianças a tira-colo amarradas em panos ricamente ornados.

Atravessamos dois passos de grande altitude antes de chegar em Cuzco. |De um deles podia se ver entre as nuvens Abancay entre as nuvens lá embaixo, nós a 4 mil metros. No segundo passo, a 4250 metros, o Presidente disse que estava comerçando a sentir alguns efeitos em seu corpo, como uma dormência generalizada. Até chegar em Cuzco, tudo o que senti foi muita fome e um cansaço esperado depois de mais de 30 horas de viagem. então, logo a nossa frente, abre-se um vale abaixo todo coberto por construções marrons e de cor ocre, a primeira visão do umbigo do mundo, o centro da civilização Inca, um lugar com um passado glorioso.






2011/01/06

Febre Astral - ETs, eternidade roubada, benzina & sinuca no deserto - Uma Introdução

Foi em 2000 que ouvi falar pela primeira vez de Edward Anderson. Eu tinha ido fazer um trabalho voluntário no meio do deserto no sudoeste dos EUA, mais precisamente em um lugar chamado Clear Creek Canyon, na floresta de Coconino, Arizona. Minha namorada da época, S., me acompanhou, com suas ideias aventureiras & sua função de diabinho que tenta você a sair de seu caminho para se divertir sem pensar no amanhã, e passamos por grande provação por termos que ficar entre ambientalistas fanáticos totalmente abstêmios no meio do nada e sem álcool, comendo apenas alimentos orgânicos e vegan (o que não foi exatamente ruim, principalmente depois de descobrirmos que nosso cocô saía cheiroso depois de cinco dias comendo só mato).

Mas naturalmente, encontramos uma pessoa naquele grupo de 20 voluntários que tinha a mesma inclinação de deixar o acampamento, fazer a caminhada de 30 minutos até os carros, rodar até o povoado mais próximo, que por acaso tinha sido um forte dos supremacistas que serviu de posto avançado para aniquilar os nativos - Camp Verde, e entornar umas e outras em um bar. Clyde era o nome da criatura, um personagem que por si só me faria deixar essa história de extraterrestres de lado para contar qual é a dele - ex-mariner, ex-condutor da banda das tropas do exército estadunidense estacionadas em Okinawa, budista, em crise existencial & atravessando o continente sozinho, lendo e declamando poemas de Rumi e escutando os discos mais bregas de Elton John enquanto dirigia sua motorhome, um radical em seus próprios termos que tinha vivido no meio do ninho das serpentes até encontrar o amor nos lábios de uma japonesa, um praticante do bem, que ele não hesitou em praticar ao nos levar ao bar onde jogamos sinuca com um índio apache.

Mas, voltando a Edward Scarface: foi nesse bar que conheci Robert, um sujeito estranho, nascido ali mesmo Italvez tivesse brotado do chão daquele dive bar), que nos pagou a última rodada. Ao saírmos todos juntos em direção aos carros, olhei o céu incrivelmente estrelado do deserto e me veio uma vontade de perguntar ao cara - e aí, vocês veem muitos Óvnis por aqui?
- Sim!!!!! Inclusive meu amigo Eddy esses dias veio lá do Canadá só pra examinar umas marcas que uma nave deixou num rancho lá pro lado de Sedona.


Eddy? Robert começou a contar sobre seu ex-colega de colegial com entusiasmo. Ninguém sabia mais sobre ETs do que Eddy. Como assim? Bem, Edward, que tinha levado um talho de faca no rosto em uma briga de bar no México quando ainda seguia o próprio Tim Leary na rota dos cogumelos - daí o apelido "Scarface" - tinha informações quentíssimas, vindas de um dos poucos "gargantas profundas" escondidos nas entranhas do "poder além do poder" dispostos a falar sem medo para o cara certo, informações que fariam qualquer pessoa sensata ter certeza de que era apenas um roteiro de filme de ficção científica de baixo orçamento. ETs agindo debaixo de nosso nariz, sob proteção oficial. Bases secretas. Coletores de energia escondidos no lado negro da lua. Evidências! O Eddy tem evidências! Me conta mais, Rob, me conta mais.


- Ah, se você quiser, te dou o telefone dele, lá do Canadá.


Liguei dez anos e um mês mais tarde. Quem atendeu foi sua ex-mulher, que me passou seu email. O resto, você vai ler aqui logo.

2010/10/22

Por que eu não voto no Serra nem a pau

Eu realmente não acredito nesse sistema político, mas quero me pronunciar. Antes, li bastante, pesquisei e tentei furar a barreira de factóides e notícias tendenciosas da grande mídia. Cheguei à conclusão que a diferença real entre Dilma e Serra como candidatos é muito tênue. Mas eu não poderia votar em alguém que representa uma elite que vem perpetuando as desigualdades sociais há décadas. Prefiro quem se arriscou e agiu contra a ditadura, e quem tirou milhões da miséria através daquilo que o mundo inteiro viu como uma medida positiva em direção à melhor distribuição de renda. E os dados estão aí: o desempenho do atual governo, longe de ser ideal, é muito mais positivo do que o de FHC e do PSDB, mesmo se fosse levado em consideração um suposto empurrãozinho da administração tucana pré-Lula, que para muitos analistas, é ínfimo perto do que aconteceu nos últimos 8 anos.

Mas o que mais me motiva a não votar no Serra é um seguinte: esse candidato é o da maioria das pessoas com as quais eu discordo sobre questões filosóficas, políticas, religiosas e sociais. Muitas delas são pessoas que respeito e que considero amigas. Outras, são pessoas com quem quero manter distância. Algumas são confessamente elitistas. Há entre eles os que não escondem serem homofóbicos, racistas e tradicionalistas. Mesmo que também haja gente assim entre os eleitores do PT, a maioria destes parece tender para o Serra.

Eu não posso deixar de lembrar da frase de Woody Allen, de quem alguns destes eleitores pró-PSDB não gostam por ser judeu e neurótico: "Tradição é a ilusão de imortalidade". Muitos acreditam na imortalidade, seja da alma ou do direito de pertencerem ao grupo dos favorecidos em detrimento do que acontece no país como um todo. Estes chamam o bolsa família de assistencialismo populista, mas não veem problema quando o governo ajuda as grandes corporações com problemas financeiros, o que é uma forma muito pior de assistencialismo.

E a maioria esmagadora delas faz parte da elite. De alguma forma, seu candidato reflete seus princípios.

Isso é mais que o suficiente pra eu não votar no Serra.

Se não gosta da Dilma, vote nulo, mas não ajude a colocar aquele cara, e os figuras citados acima, no poder.