2012/08/07

Verdade ou Consequências: De Como achei ter sido cortejado por um selo britânico em 1990

Meu nome é Cassiano Fagundes e eu gosto muito do nome de uma cidade do Novo México, nos Estados Unidos: "Truth Or Consequenses". O lugar de seis mil habitantes antes era chamado de "Hot Springs", mas quando um radialista anunciou que levaria seu programa muito popular com esse nome para a primeira cidade que começasse a se chamar assim, os "Hot Springuenses" decidiram que valia muito a pena o câmbio. Não que os moradores tenham se tornado caubóis valentões do tipo "Se você não me disser exatamente qual é a parada, vai ter que arcar com as consequências". Bem, tenho certeza que alguns que já eram assim se sentiram um pouco mais durões com o novo nome da cidade, e talvez os covardes possam ter se sentido pela primeira vez um pouco mais corajosos. O fato é que assim que eu soube que existia essa "Verdade ou Consequências", decidi que esse seria o nome de uma banda de country rock "louca" que eu um dia teria.

Mas essa banda de country rock não aconteceu do jeito que eu imaginei, apesar de um acontecimento que me fez pensar o contrário. Aos 17 anos, um pouco influenciado pelos ares mórbidos e depressivos daquela década modorrenta que havia finalmente acabado, os anos 80, tinha certeza que posar de caubói gótico satanista, um híbrido entre Billy The Kid e Bela Lugosi, seria o esquema que me deixaria rico, famoso e feliz, e que todo mundo ia entender a piada. Mas eu estava em Curitiba, uma cidade onde, segundo meus companheiros musicais catarinenses, decididamente não se entende piadas. E não apenas isso: apesar da cidade ter recebido naquele mesmo ano um show do Jesus And Mary Chain e de na época ter várias bandas interessantes, não tinha esse negócio de "Fora do Eixo", baby.  Era terra de ninguém pra quem não fazia ou gostava de sertanejo, pagode, axé, para quem cantava em Inglês e sabia o que eram pedais Digital Delay, Flanger, Phaser e Chorus. E não havia internet. Mesmo sabendo que estava no lugar errado, fazendo a coisa errada e na hora errada, decidi dar cabo ao meu plano. O que mais eu poderia fazer?


A ideia me veio por causa do Fields of The Nephilim, uma banda que reciclou alguns climões das trilhas de westerns spaghettis de Enio Morriconi, embebendo-os na morbidez expressionista do rock gótico britânico. Como cresci escutando Kenny Rogers e sempre tive mais do que uma queda por Siouxsie and The Banshees & companhia, foi bem fácil fazer a conexão. Só me esqueci que não estava no Novo México, e muito menos, em Sheffield. Era incapaz de gostar de música sertaneja, e substitui-la pela referência country norte-americana, ou de fazer uma letra decente em Português. Meu objetivo era, nessa ordem: compor canções que captassem esse clima country gótico, que por ser feito no sul do Brasil, soaria muito exótico; gravar uma demo minimamente boa; enviá-la para gravadoras inglesas e americanas; e esperar pelo sucesso certo, ignorando completamente Curitiba e o Brasil, já que ninguém ia curtir o que eu estava para fazer, mesmo.

Com a ajuda de um amigo multinstrumentista e letrado em magia negra, o Eduardo, compus três músicas em dois dias, e gravei tudo em um estúdio caseiro de um amigo, cantando, tocando guitarras e baixo, enquanto Eduardo colocou os teclados, que tinham sons bem ruins até para a época, mas que foram muito bem tocados.  "Magog", a primeira das canções dessa sessão, tinha a mesma batida de "Ruby Don`t Take Your Love to Town" de Kenny Rogers, aquele tum-tá que remete a um trem em movimento, e guitarras com quilos e mais quilos de efeitos. Tentei cantar como Nick Cave, mas, pelo que me lembro - não tenho mais essa gravação - soou como uma espécie de Caubi Peixoto. A segunda, "Marble Face", tinha uma sequência melódica bem interessante, tirada de algumas coisas que tentei assimilar do guitarrista dos Banshees, John MacGeoch. O fator country ficou por conta de uma tentativa frustrada de emular uma pedal steel guitar. É aí que o "louco" entrou na jogada.

"Gostei muito das guitarras de 'Marble Face'. Muito interessante. Coisa louca. ("Crazy stuff")", me escreveu um executivo de um dos mais respeitados selos independentes do mundo, que apesar de não existir mais, é ainda reverenciado por seu pioneirismo. O cara, um neozelandês que anos depois morreu afogado na Jamaica, também elogiou "Magog" e a terceira música da demo, "Broken", um instrumental barulhento no qual guitarras, teclados e um baixo distorcido e levemente desafinado competiam pela atenção do ouvinte, numa chupação descarada a alguns lados B de compactos do The Cure. A carta do selo britânico veio com uma fita cassete exclusiva, uma coletânea com seus últimos lançamentos.

"Uau! - pensei - um selo inglês elogiou meu som e quer lança-lo!". A verdade é que na carta que chegou na casa de meus pais, não havia nada mais do que palavras expressando surpresa por terem recebido algo tão inesperado de um lugar do mundo que nem mesmo sabiam que existia, além dos elogios ao meu som, um agradecimento por eu ter entrado em contato, uma fita cassete exclusiva e um "muito obrigado e boa sorte". Ah, o executivo também fez uma sugestão: "Troque o nome de sua banda. Já existe uma Truth or Consequenses".

Aquilo foi o suficiente para me encher de esperança e sonhos. Certo de que a carta-resposta significava que minha vida estava feita e que eu teria uma ascensão dramática e espetacular ao estrelato por ser talvez a primeira banda independente brasileira a ter um contrato com um selo inglês (eu não sabia, mas isso já havia acontecido), tratei de montar o grupo propriamente dito e começar a ensaiar, dizendo aos integrantes para que providenciassem passaportes. De certa forma, até hoje estou esperando o segundo contato desse selo que não existe mais.