2009/10/31

Cuiabá dos inferno

Chegamos em Cuiabá na Sexta-feira para tocar no Calango, esse festival criado pelo Capilé e o Espaço Cubo, um coletivo exemplar e talvez o mais bem-sucedido do Brasil, que tem até seu próprio cartão de crédito e opera na base da economia solidária. A Sexta foi passada na piscina do hotel, o melhor lugar quando a temperatura em "Hell City" está em torno dos 38 graus. Como quase todos estavam lá, a tarde foi uma festa. Fizemos amizade com os argentinos da Norma, os potiguaras do Calistoga e os gaúchos do Rinoceronte, que fizeram shows legais à noite (com destaque para os argentinos, que tem um som post punk com um pé bem The Clash e outro bem Voidoids). Outro show muito bom na primeira noite do festival foi o dos cearenses do O Garfo (instrumental). Mas quem ganhou a noite foi mesmo o Macaco Bong (que já começou com o jogo ganho). Emocionante o que esses caras fazem no palco, indescritível. Virei fã. Eles habitam as mesmas paragens que o Pelican, com a vantagem de serem não apenas brasileiros, mas também Mato-grossenses, o que certamente dá um tempero único em seu som internacional.

Hoje vou assistir o Proyecto Gomez e amanhã é nossa vez. Mas tentarei fugir pra Chapada dos Guimarães antes.

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Hoje mais tarde:
1 - Perdi o passeio pra Chapada.
2 - Perdi o Proyecto Gomez, mas mesmo assim acredito o que o Alex Antunes disse sobre ele: coisa nova, coisa nova...
3 - Estou apaixonado pelo som e performance dessa banda maravilhosa do Amapá, a Minibox Lunar. Vamos tocar no Goiânia Noise com eles. Vai ser emocionante. As meninas disseram que tem o meu EP Ready há muito tempo e sabem cantar todas as músicas!
4 - Nosso show foi bom, mas cortaram o som no final. Quem tem vídeo e foto dele é o Bruno do PopUp: http://www.popup.mus.br. Eu tive vertigem no meio do show, por causa do calor, misturada com a visão da lua cheia, parecia que eu estava sonhando, tanta gente nos assistindo e a lua amarela lá em cima cagando em mim.
5 - Jonas Sá é o cara. Black Drawing Chalks e Rock and roll. Holger é festa pura. Nevilton é banda gente-fina. Valeu Calango!

MiniBox Lunar. Estupendo!
Gomez. Meu segundo melhor amigo argentino da atualidade (o primeiro é e sempre será o Seba Galvan).
Visões do Pantanal (quadro maneiro que fotografei num restaurante típico de Cuiabá). Fica pra próxima.
Como mudo a posição dessa merda? Zimmer e Xuxu curtindo calor de 38 graus em Cuiabá.

Faust, Chain & The Gang e mais. Pop Montreal parte 2

Cassim & Barbária com Faust. Muletas e bandeiras à parte.

Esse post atropelado é pra resumir o que aconteceu no Canada depois de nosso show no Pop Montreal e de meu pé quebrado.

No dia segunte ao Aids Wolf, Duchess Says & companhia, cheguei atrasado no workshop de improvisação musical do Faust, onde fui recebido pelo Jean-Hervé da banda com muita simpatia. Encontrei o Zimmer, o Amexa e o Xuxu aprendendo um intrincado ritmo na roda de batuqueiros liderada pelo Zappi, baterista da lendária banda alemã/francesa. Acabei integrando a roda e pouco depois, mais de trinta músicos divididos em grupos liderados pelos integrantes do Faust tocaram juntos, num crescendo/decrescendo de música livre muito interessante. Tiramos fotos com eles, muita tietagem e prometemos leva-los para o Brasil em breve. Detalhe: quem está acompanhando hoje o Zappi e o Jean-Hervé é James Johnston, o homem Gallon Drunk, e a linda e talentosa Geraldine Swayne, que infelizmente não estava presente na foto de nosso encontro.



Depois, na conferência do Pop Montreal sobre rock independente mundial ou algo assim, eu e a Lu conhecemos o Fabio Costello, fotógrafo brasileiro que tocava na legal banda carioca Os Hereges, que hoje mora na cidade. Também conhecemos o genial argentino Gomez (ou será Proyecto Gomez o nome deste simpático e criativo portenho cujas ideias musicais se assemelham muito às minhas?) que encontraria aqui em Cuiabá. Fomos comer o melhor croissant de Montreal com o Fabio e em seguida nos juntamos ao resto da banda no outro lado da rua para assistir a um dos melhores shows de minha vida: Faust. O guitarrista era ninguém menos que James Johnston, o homem Gallon Drunk, também integrante dos Bad Seeds do Nick Cave, e que se encaixou perfeitamente na aventura sonora da banda de Jean-Hervé e Zappi, ainda acompanhados pela adorável inglesa multinstrumentista, pintora, poeta e linda Geraldine Swayne.

Johnston durante o workshop

Zappi, Notem o Zimmer e o Amexa concentrados.

Zappi em toda sua forma

jern-Hervé era o chefe da bagunça

Para fechar a noite, fomos ver o Chain and the Gang do incansável Ian Svenonius, ex-Make Up e Weird War, que depois do show me abraçou, beijou as bochechas e fez festa quando lhe disse que era de Curitiba - cidade onde ele tocou com o Make Up há uns 12 anos atrás, e onde todos nós tivemos um good time together. Detalhe: Ian desceu o palco usando um terno branco e veludo, pediu tempo para se trocar e reapareceu na pista com terno vermelho de veludo.



Nos dias que completaram nossa estada em Montreal, fomos no museu, assistimos a Sarah Neufeld do Arcade Fire em show experimental com seus amigos na Casa Del Popolo, comi com o Fabio um sanduíche de carne defumada típico no Schwartz e muito mais. Foram dias incríveis, mas estava na hora de eu e a Lu puxarmos o carro. Então na manhã de Segunda-feira, alugamos um que eu pudesse dirigir com um só pé (automático) e fomos par Quebec City - cidade bonita, mas muito cheia de turistas - e de lá para o ponto alto da viagem - o Mont Tremblant. Sobre isso, Toronto e o show lá, nossos novos amigos e o Thanksgiving em família canadense eu conto depois. Vamos agora pular pra Cuiabá, onde estou.
Sarah Neufeld, Arcade Fire, em Montreal.

2009/10/16

Pop Montreal parte 1

Bequilles, Crutches, Muletas. Aventuras quebradas na cidade poliglota. Foto: Lu.





Perguntaram por que eu não tinha seguro saúde de viagem. Eu tinha. Isso não significou grande coisa, na prática, fora o ressarcimento do valor gasto com meu pé quebrado em Montreal. A dor foi a mesma. Mas eu não deixei o incidente estragar minha aventura canadense. Fui forçado a fazer um tipo de viagem diferente da que estou acostumado. Eu no fundo achava que nem seria tão diferente assim. Munido de um par de muletas ultra-modernas e muy confortáveis, no dia seguinte saí pela cidade com a Lu numa tarde ensolarada, pra cima, sempre pra cima. Ela queria fotografar a vila olímpica, eu, andar numa trilha ao lado da torre para examinar as árvores que mudavam de cor nesse começo de outono. Ao final do dia, agradeci a mim mesmo por ter feito musculação o ano inteiro.


Um trajeto que me tomaria trinta minutos durou uma hora, sem descontar as paradas de descanso, porque os pulsos de alguém a base de muletas são os que mais sofrem. Os braços aguentaram o tranco, mas ficou bem claro no final do dia que eu teria que lidar com um tipo de cansaço físico para qual nenhum academia consegue te preparar. Acabei não conseguindo ir no Butthole Surfers com a Lu. Dizem que foi um dos melhores shows do festival. Tentei não me abater e enquanto ela tirava fotos com sua credencial louca, entornei cervejas canadenses com meus amigos Adeline e Rafael em seu apartamento.

Butthole Surfers. A Lu viu e fotografou.

No dia seguinte, caminhamos pela cidade velha e comemos o famoso rabo de castor (uma espécie de bolinho da chuva). Muitas cervejas e cápsulas de advil mais tarde, encontramos o recém-chegado Amexa, que tocaria baixo conosco em Toronto, mais Xuxu e Zimmer, para assistir alguns shows legais do Pop Montreal. O nosso, duas noites antes, tinha sido muito bom.

No Le National, lugar muito bonito e decente, os locais Aids Wolf mandaram ver com muito noise punk, uma bateria nervosa, um baixo distorcido, teclado e apetrechos insurdecedores e a vocalista Special Deluxe enlouquecendo a multidão. Muito instrutivo. Depois a excelente local Duchess Says - a noite era de mulheres atacadas, e a vocalista não hesitou em surfar a multidão. Mais educativo ainda foi o set de Teenage Jesus and the Jerks, banda que nos anos 70 usou o formato baixo-bateria-guitarra do rock contra ele mesmo, orquestrando a No Wave e pavimentando o caminho para que gente como Thurston Moore e seu Sonic Youth pudesse fazer o que bem entendesse com seus instrumentos. Tanto que até hoje, Lydia Lunch não sabe tocar um acorde sequer em sua guitarra estridente. Foi um tremendo show de atitude e coerência de uma turma que merece muita reverência de qualquer inconformado com o estado das coisas na música pop ocidental. Foi, nas palavras do Zimmer, lindo.



Duchess Says: grande show. Foto da Lu.

Teenage Jesus & The Jerks - instrutivo. Foto Lu.

No dia seguinte, teríamos nosso encontro com o Faust em workshop e show. E também uma sessão de beijos, abraços e boas memórias sobre Curitiba com Ian Svenonious, o homem Make Up/Weird War e Chain & The Gang. Vou ver se Deus está na esquina e já volto.

2009/10/01

Canadá - Outubro 2009 - pé quebrado


Cassim & Barbária versão ultra light (sem a Lu e o Amexa). Estúdio de ensaio, Montreal, 30 de Setembro.

Xuxu tranquilo, eu de pé recém quebrado e Zimmer com pressão baixa (teto preto). Estúdio de ensaio, Montreal, 30 de Setembro de 2009.


XuXu dirigindo o ensaio. Montréal, 30 de Setembro de 2009.





Público Cassim & Barbária em Montréal - 30 Setembro 2009


Nessas horas o pé não doía


Lu e nossos anfitriões, Rafa "Drausio" e Adeline, em Montréal

O ensaio no estúdio de Montréal estava indo muito bem. Bem demais. Nos meus ouvidos apitavam duas chaleiras, que não eram os samples de noise que a Lu estava operando - com muita felicidade por causa de sua eminente estreia nos palcos, e internacional! O volume muito alto me fez aproveitar o intervalo que Zimmer pediu para tomar água. Saí correndo pela rua, procurando uma farmácia que vendesse protetores de ouvido. Duas quadras e nada. Imaginando que XuXu, Zimmer e Lu estivessem impacientes a minha espera, desisti e voltei trotando. Uma mangueira daquelas que chupam merda direto para o caminhão limpa-fossa estava bem no meu caminho. Pisei nela e o pé torceu. Ouvi um estalo seco. Foi feio.

Então a noite de estreia dessa formação light de Cassim & Barbária, que aconteceu no exterior e com minha amada Lu operando os efeitos, foi pra mim dolorosa. Meu pé inchado não servia nem para acionar os pedais de efeito, quanto mais para caminhar pelo bar e fazer contatos. Não que o show não tenha sido ótimo. As trinta pessoas presentes - o bar tinha capacidade para umas 70 - ficaram aparentemente felizes, e nós também. Mas não houve trocas de informações depois disso - que é o que se pode fazer de melhor num festival.

Na manhã seguinte decidi usar meu seguro saúde de viagem e fui de taxi a um hospital na parte norte da cidade. Lu se mandou para a parte velha de Montréal para fotografar (alguém tinha que fazer Gran Turismo). O hospital com o pomposo nome Clinique Medicale Manseunneuve Rosemont era até que organizado e limpinho como era de se esperar, mas a atendente mal falava inglês e não teve muita paciência com meu Francês de péssima categoria. Fui salvo por uma senhora de 82 anos que falava a minha língua (English, of course) e que insisitiu para me fazer companhia. Estava lá para consulta de rotina que lhe daria mais um ano de carteira de motorista ("eu sem carro não sou ninguém, prefiro morrer!") e me contou histórias dolorosas sobre a filha que perdeu para o câncer, a neta que quase morreu num acidente de carro na Austrália, o marido, de quem se separou e que vive em Las Vegas e os tempos solitários em Howard Beach, Rockaway, NYC, vivendo m apês alugados de judeus hassídicos que eram legais com ela o suficiente para deixa-la morar na cobertura pagando preço de primeiro andar.
Até certo ponto, tudo parecia uma grande experiência: entrar em contato com os nativos no hospital da rede pública, onde independente da qualidade do tratamento, qualquer um se sente vulnerável, e ter uma experiência que nenhum visitante quer ter, mas que também pode ser tão pitoresca e informativa quanto visitar os pontos usuais de interesse. Contudo, depois de uma dolorosa espera de 5 horas, vi que as queixas de um Quebecois sobre o sistema público de saúde não são diferentes das que escutamos no Brasil, e isso não é exatamente legal de se constatar. Tinha uma mulher gemendo de dor com o dedo roxo quebrado e aparentemente necrosado que ficou ali gemendo por boas 2 horas até que fosse atendida. Sei bem que em nosso país esse tempo poderia ser considerado ínfimo, mas o sofrimento dela não era algo que se ignora facilmente. A dor era grande e ela teve que esperar sua vez, além de ter que lidar com uma burocraria que eu imaginava não existir mais no dito mundo desenvolvido.
Constatei que o que muda é o grau de descaso e a dramaticidade das situações. Por outro lado, vi como as pessoas aqui realmente são quando o bicho pega, e te digo que eu poderia estar em Antonina, Floripa ou Chapecó. O que muda é o superficial, a língua, os maneirismos, as roupas, a casca. Mas por mais que eu tenha me sentido privilegiado por ver tudo isso, a espera e o resultado de minha consulta foram incrivelmente desagaradáveis. O médico, que parecia o Ron Wood (mesma idade, inteiro de preto, cabelo espetado e mullet a la Rod Stewart & CO.), foi categórico: quebrou o pé, tem que ficar de molho por 6 semanas, nada de museu, caminhada no Mont Tremblant, Mont Royal, nada de mosh no show do Butthole Surfers, sossega. Isso para alguém que esperava aproveitar cada aspecto e segundo de minha viagem ao lado da Lu como se não houvesse amanhã soou como uma ficha pesada caindo no pé. Desculpem a expressão, mas fodeu!
No taxi, a caminho dos meus anfitriões Rafael "Drausio" Hadad e Adeline, arrisquei a língua gálica com certo sucesso (not really) com o motorista haitiano que me mostrou bons sons de sua terra. Cheguei a pensar que o acidente poderia ser visto como uma dádiva disfarçada (exagero otimista), que me faria aproveitar a viagem de uma maneira totalmente diferente da que estou acostumado. Pensei até que seria minha chance de aprender Francês na marra, encostado na casa de meus amigos enquanto a Lu explorava o Canadá. Mas quando ela me veio com a ideia de segui-la por aí com muletas, percebi que não vai ter moleza, e nem deve. Posso estudar Francês em casa. Ver Faust, Chain & The Gang, Yo La Tengo, o Mont Royal, Quebec city vai ter que ser in loco e by crutches.