2007/11/27

Textos das anta parte 5.

Chilton: apetite por destruição.


17.SET.1999

ALEX CHILTON - UM HOMEM CHAMADO DESTRUIÇÃO
Nas últimas semanas de fevereiro enquanto procurava bons shows no jornal eu passava os olhos pelo nome Alex Chilton. Estudei algumas vezes a idéia de checá-lo ao vivo, mas sempre acabava desistindo, ou porque o show seria em New Jersey e sold out, ou porque havia sempre outra coisa para ver no mesmo horário e mais perto de casa. Além disso o caboclo (eu) acaba inconscientemente assimilando as besteiras que a imprensa local fala sobre o show desse homem, sobre como o cara vive às custas do passado e bla bla bla, como se esse tipo de coisa realmente me preocupasse. Até o dia em que decidi ouví-lo no Coney Island High, em Manhattan.
Chilton é ovelha negra da música pop. Depois de emplacar alguns hits nos anos 60 com os Box Tops (há quem traçasse paralelos entre eles e os Monkees no quesito armacões legais), o então garoto de Memphis formou uma das mais influentes e injustiçadas bandas dos 70, o Big Star. Ao lado de Chris Bell, que posteriormente lançaria o solo seminal I am the Cosmos, Chilton produziu uma pérola que ecoou nos discos do R.E.M., Teenage Fanclub e uma cambada de outros. Estou falando do #1 Record, a estréia do Big Star, de 72.
Naquele ano, a fórmula do blues pesado havia sido canonizada pelo Led Zeppelin assim como o Black Sabbath mostrava ao mundo como chacoalhar a cabeleira com os mesmos riffs do delta, mais o suingue do demo. Lynyrd Skynyrd emplacava, os Stones ditavam o rock'n'roll espartano e um punhado de garotos dos dois lados do atlântico tentavam repetir os feitos de Rod Sewart e os Faces. Não havia lugar para uma banda tão ligada nas melodias dos anos 60 (no britpop original a la Beatles, Kinks, etc). Aliás, nem mesmo os ingleses queriam mais soar ingleses. O som da America, direto e tosco, enchia os charts e os bolsos dos figurões de gravadoras.
O Big Star pode ter inaugurado o power pop, músicas ricas em melodia tocadas com toda a força daquela era, mas isso infelizmente aconteceu sem o apoio do público. Para piorar, haviam assinado com a Ardent, uma subdivisão da Stax, o selo máximo da soul music, que não sabia como lidar e distribuir uma banda de rock. Logo depois Chris Bell abandona o barco, Chilton lança no ano seguinte Radio City, e grava Sister Lovers, que só viria a ser lançado em 78, ano em que se rendeu ao baixo astral acompanhado de muita birita e um par de seringas.
No mesmo ano, Bell morreria deprimido, em um acidente de carro. E apesar do apoio da crítica, a personalidade temperamental de Chilton manteria seu legado longe da consagracão por mais algum tempo. Na década de 80, Chilton lança alguns discos esquisitos sem o Big Star, como"Like Flies on Sherbert, onde detona o country, avacalha o rockabilly, e sem querer, inaugura a adoracão por sua personalidade caótica: Os Replacements colocam o vinil no topo de sua coleção. De repente Chilton se vê cercado por admiradores, os discos do Big Star são procurados por todos os cantos e quando achados valem até 100 dólares a peça. O R.E.M. cita a banda como influência essencial. O R.E.M. alcança a fama. Bam! Chilton acaba na boca do povo.
Alex Chilton vira lenda cult na Grã Bretanha quando o Teenage Fanclub revela sua fonte de inspiração. De repente todo mundo que prestava estava falando do cara, de Bob Gillespie a Joey Ramone. Chilton se limpa, reúne o Big Star, recrutando alguns dos Posies, e lança um excelente álbum ao vivo.
Todos achavam que a partir dali começaria sua redencão. Se quisesse, isso teria acontecido, mas o sujeito que trocou uma batida de bateria da música Downs (Sister Lovers) por o som de uma bola de basquete pulando só para frustrar as tentativas da gravadora de torná-la um hit não parece se preocupar. Aos invés de lançar o álbum com o qual todos sonhavam, ele grava Cliches com uma banda de bar, jazzinhos bem vagabundos que não fazem jus à sua genialidade. E olhe só o nome de seu album de 96: A Man Called Destruction.
O SHOWEu estava desconfiado que Chilton poderia fazer de tudo para afastar o hype de seu caminho, entrei no clube já esperando um set irregular, com poucas músicas do Big Star. Pensei: se ele tocar Down the street e Thirteen, já valeu. Adolescentes fãs do Nada Surf se misturavam entre o pessoal de 30 e poucos anos genuinamente interessados. Afinal, quem é esse sujeito de quem tanto falam por aí?
O set de Chilton não deu as pérolas aos porcos e isso não fez a mínima diferença. Sua maestria na guitarra foi o tempero, uma Gretsch antiga que apitava o tempo inteiro. O estilo inconfundivel de Chilton estava lá em sua releitura do clássico dos Box Tops The Letter ( é ele se preparando para a volta da banda). O baixista parecia meu tio-avô e provavelmente estava meio inseguro porque "meu Deus, toda aquela gente ali na sua frente, deveríamos ter ensaiado mais Alex", imaginei ouví-lo.
É claro que não faltaram os jazzinhos vagabundos, nem as country ballads, nem nada. É que isso não foi o suficiente para tirar o sorriso do meu e de todos os rostos presentes. Isso tambem não aconteceu quando a negatividade que cerca Chilton se evidenciava nos detalhes, como no junkie que começou a pogar acertando bordoadas no pessoal que estava mais perto do palco, ou no seu amplificador que queimou e teve que ser substituído pelo do guitarrista do Nada Surf.
E a única música do Big Star só foi aparecer no bis: Down the Street, que está na abertura do seriado That 70s Show, uma comediazinha ambientada nos anos 70 que está fazendo um certo sucesso por aqui. No final, com um rosto contorcido pela felicidade e os olhos que só os índios velhos que perderam suas terras para o homem branco mas não a tal da dignidade têm, Chilton conversou com os fãs, fez piadinhas e foi embora. Que gente fina.

Nenhum comentário: