2007/11/27

Textos das anta parte 3.

16.AGO.1999

RESENHAS
GONG - Show de 30 anos
Knitting Factory (Nova York)
Junho de 1999 Por Cassiano Fagundes

Como Daevid Allen disse durante seu show em um momento circense, ele é o padrinho do hippie. Esse australiano magricela fez parte da história da Swinging London quando tocava no The Soft Machine (nome que diz respeito a William Burroughs, que foi amigo e protetor de Allen, por assim dizer).

Problemas com a imigração inglesa o fizeram aterrissar na França, onde formou o Gong ao lado da cantora espacial Gilli Smyth, o excelente flautista e saxofonista Didier Malhebe e outros figuras que apareceram posteriormente, como Steve Hillage. Aqui a virtuosidade serve ao caos e por esse e outros motivos a criação de Allen não tem paralelos, a não ser que se consiga imaginar Syd Barret fazendo dueto com Charlie Parker sob influência de Adrenochrome. Cheque os 5 álbuns clássicos do combo.

A banda levou o Bebop ao aburdo, desfragmentou o rock em estilo livre, pretendeu o transe através de mandalas sonoras em constante mutação e foi incompreendida por anos até a geração Acid House aparecer. A música eletrônica, os New Age Travellers europeus e toda cena rave devem muito à catarse musical da banda, principalmente da fase do álbum "You" (quando Hillage assumiu os comandos), que fecha uma trilogia apresentando os fundamentos daquilo que seria um dia chamado de Trance. O aniversário do Gong chega em hora certa, quando de Blur ao Sonic Youth, de Beck à Chemical Brothers, o mundo de Allen invade os ouvidos dos chamados formadores de opinião e queridos da mídia alternativa (se é que isso realmente existe) e de massa (se é que isso pode realmente ter acontecido).

A trilogia "Radio Gnome Invisible" diz respeito à mitologia do Planeta Gong, um lugar distante regido pelos valores anarco-místicos do grupo, e grande parte do repertório daquela noite festiva se concentrou nesse período compreendido entre 72 e não se sabe que data estelar.
Allen entra no palco usando um chapéu de bruxo sobre seus cabelos brancos e meio loiros, com uma capa de lantejoula, uma camiseta e saiote Tye Dye e calças de Robin Hood. Aproxima-se do microfone e aponta para alguém na plateía:

"Os seus cabelos iluminados nessa cor parecem um gramado luxuriante por onde eu poderia rolar e rolar, venha, venha dançar comigo!". Ele empunha sua guitarra tocada com um pequeno arco mole de borracha e destila seus barulhos espaciais enquanto o grupo toca um jazz mercuriano marcado pela bateria surpreendentemente dançável ( pelo menos durante algumas passagens) de "Radio Gnome Invisible". O druida lança feitiços com as mãos e faz seus dedos dançarem no ritmo da flauta de Malhebe durante "Zero the Hero and The Witch’s Spell", que sacode em torno de Gilli que mia como gata no cio ( e vestida como tal, sustentada por uma trilha sonora de cabaret psicodélico) em seu microfone conectado na câmara de Eco quando tocam a maravilhosa "Witch’s Song, I Am your Pussy".

Em algum momento um som vai sendo construído pelo guitarrista que exibe seu experimento com as mãos babadas. Ele as molha no próprio suor e saliva e a esfrega na guitarra, criando um som melhor descrito como "morcegos fazendo amor no fundo de uma caverna". Scratches orgânicos.

Didier faz borboletas voarem com a flauta transversa, um prato marca o tempo, o baixo anda sobre papel de arroz. É quando Allen reaparece no palco depois de sumir misteriosamente. Vestido de bule de chá, guia a platéia através da épica "Flying Teapot", enquanto uma doida garota baixa e gordinha com seus óculos fundo-de-garrafa vestida como uma sufi dança ao seu lado. "Pot Head Pixies" é acompanhada pela platéia visivelmente transportada Paragong por Zero o herói. Allen em seguida declama poemas num ping pong com Didier, faz piadas que só um monge zen budista entenderia não entendendo e completa seus Koans quando quer levar o público ao transe em "You". A banda fornece uma base que vai se alterando em miríades de mais ou menos 6 ou 7 minutos interconectadas entre si e Allen aponta para si mesmo e diz "I", depois para alguém do público e "You", até apontar uma por uma para todas as pessoas da Factory, e terminar com um "Us" . Quando você percebe que todos os presentes batem palmas em sincronia a pedido da banda, algo extremamente raro em Nova Iorque, vê que a música está sendo vislumbrada em níveis acima do usual, e a missão de Daevid foi completa. No final, cantamos todos juntos parabéns enquanto os músicos olham para as velas que vão apagar do bolo segurado por Gilli. Definitivamente, um show alto astral, e como diz um locutor da rádio rock 104.3 NYC, " It’s Hippie bullshit, but there’s nothing wrong about It". Obrigado.

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