2007/11/29

O Andarilho & Futuro Fantasma do Canto dos Araçás

Sem nada muito importante para fazer numa noite primaveral no Canto dos Araçás – Florianópolis – assisti a um programa cheio de bobagens sobre fantasmas na televisão. O apresentador canadense tentava nos convencer de que há diferentes explicações plausíveis para o que muita gente jura ver em cemitérios, ruas mal iluminadas, quartos escuros e, muito mais frequentemente, em casas com mais de um século de existência e arquitetura gótica.

Gostei de uma explicação, embora me irritasse o tom pseudo-acadêmico do sujeito procurando dar mais credibilidade ao que dizia: fantasmas seriam imagens de situações rotineiras ou de grande carga emocional ou ainda “energética”, como assassinatos brutais, que teriam sido gravadas no espaço-tempo e que de tempos em tempos “tocariam” novamente por causa de alguma combinação de fatores ambientais ou paranormais. Imaginei o universo como uma grande fita-cassete velha, daquelas que ao serem tocadas te fazem escutar não só o que você gravou em cima, mas também traços do que estava gravado antes e algo do que está no outro lado da fita também.

O Canto dos Araçás é exatamente isso: um canto cheio de araçás, cercado por morros cobertos pela mata atlântica e pela Lagoa da Conceição, de modo que todos têm que quase que necessariamente passar pelos mesmos lugares e tomar o mesmo caminho para sair ou chegar nele. E em praticamente todas essas vezes que chego ou saio de lá, cruzo com Seu Cristóvão, que certamente está garantindo sua futura aparição como fantasma oficial da região.

Ele deve ter mais de 90 anos, é magro, pequeno e com barbas cinzentas, sempre com roupas encardidas e rasgadas, os pés descalços e um chapéu enfiado na cabeça. Invariavelmente o vejo caminhando ao longo do canto da estrada em passos vagarosos, mas decididos, sempre com gravetos e paus nas mãos para alimentar algum fogão à lenha, real ou não, para fazer seu café ou pajelança. E independente da hora e direção para qual se dirige, ele sempre está em algum ponto da estrada. Passa a maior parte de seu dia andando, o que me faz lembrar de Thoreau, que explicou como a pessoa que passa o dia caminhando precisa de muito pouca coisa para ser feliz.

Certa manhã dei carona a um morador antigo, que me contou que Seu Cristóvão vem fazendo isso há pelo menos 30 anos. Antigamente, a água fresca das cachoeiras corria paralelamente à estrada, e o andarilho dos Araçás também carregava uma pequena garrafa para se servir dela em sua via crucis diária.

Cheguei a me perguntar se Cristóvão já não seria um fantasma àquele ponto, e ao encontra-lo numa de minhas caminhadas, cheguei bem perto para dizer bom-dia, ao que ele me respondeu prontamente, sem muita emoção ou tempo a perder.

Levando o documentário a sério, é certo que depois de sua partida, os traços da rotina repetitiva do ancião serão percebidos por moradores e visitantes quando as condições forem ideais, seja visualmente ou através de algum outro sentido oculto que possamos ter.

Uma coisa é certa: Seu Cristóvão está em perfeita forma física e mental, numa jornada que se justifica por si só e me faz pensar em manter a tevê desligada por um bom tempo.

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