2006/12/21

Vulcao Villarrica e outros prazeres Chilenos.






Depois de dois dias agradáveis mas um pouco frustrantes na base do vulcão Lanín, atravessamos a fronteira com o Chile e chegamos num dos pontos mais bonitos e concorridos da região dos lagos: Pucón. Estive nessa cidade em 1996 e naquela época ela me pareceu um pouco turística demais, principalmente em comparação à vizinha Villarica, onde havia acampado à beira do lago de mesmo nome. Hoje, Pucón é um dos pólos mais atraentes para todos os tipos de visitantes, o que não significa que não tenha seu lado rústico, algo que valorizamos muito por aqui. Armamos nossa tenda num camping distante da Calle O' Higgins - o centro vibrante da cidade onde agências de turismo disputam à tapas o privilégio de te levar até a cratera. Descobri que seria impossível e proibido subir o vulcão sem uma agência credenciada e de maneira independente e mesmo lembrando o que o Dubois havia dito sobe outros vulcões da região serem mais baratos para se subir e até passíveis de uma excursão indie com equipamento alugado, resolvemos contratar os serviços de uma das ditas agências para poupar tempo e esforço. O episódio Lanín me fez ver a subida a um vulcão como algo urgente a ser resolvido, e a beleza evidente do Villarrica acabou nos contagiando. Choramos bastante numa das agências até conseguir um pequeno desconto. Pagamos mais ou menos R$ 150 - equipamento incluso - pela ascenção, que aconteceria no dia seguinte, bem cedo. Em seguida, a Lu quis averiguar se as histórias sobre o salmão chileno eram verdadeiras num pub que oferecia a iguaria dentro de um prato do dia de preço bem acessível - $ 2.000. Acontece que naquele momento um erro de conversão financeira nos fez supor que 1 Real valia 250 Pesos chilenos, ou seja, aquele prato de salmão era o mais barato da história. Pouco depois descobrimos que tínhamos gastado a grana como se o Chile fosse uma grande barbada. Na verdade, 1 Real valia aproximadamente 200 Pesos chilenos, elevando repentinamente os preços e limitando bastante nosso orçamento.


Barriga cheia, entramos no supermercado para dar uma olhada nos produtos nacionais e comprar nossa janta e os ingredientes para o lanche que comeríamos no vulcão. Encontrei meu velho conhecido e amado Ají, um molho de pimentão picante de mesmo nome que está em quase todas as mesas chilenas e que cairia muito bem num sanduíche de atum e queijo a 2.800 mts e 10 graus negativos. A Lu ficou particularmente impressionada com a quantidade de chocolates e vinhos de um simples supermercado. Compramos também um outro clássico de viagens mochileiras pelo Chile: um litro e meio de vinho Gato Negro em caixa de papelão longa vida, item que adotamos em todas as nossas excursões na Argentina e Chile devido à relativa boa qualidade destes vinhos e o seu custo muito reduzido. Só deixamos de compra-los quando os locais de ambos os países nos asseguraram que são feitos com o resto do resto de toda a produção vinícola e com muitos conservantes, ou seja, uma heresia na terra dos melhores de nosso continente. De qualquer forma, há quem afirme - eu incluso - que muitos dos vendidos em caixas de papelão nestes países são de qualidade muito superior à maioria dos vinhos brasileiros (e estou falando dos bons vinhos brasileiros mais acessíveis, não de sangue de boi ou dos mais caros).
Jantamos um macarrão argentino feito em nosso potente e agora bem regulado fogareiro e nos deitamos à luz dos reflexos das lavas do vulcão que cintilavam na fumaça sobre seu cume.
Sete da manhã um funcionário da agência nos buscou de carro. O vulcão e todo o céu estavam completamente encobertos e eu achei que a expedição seria cancelada. Enquanto esperávamos pelos outros excursionistas na agência na Calle O'Higgins e experimentávamos os equipos - bota para neve, crampons, capacetes, etc, verifiquei no site do CPTEC que o tempo melhoraria dali a algumas horas. O time se completou com um dinamarquês meio austríaco especialista em café que começara seu giro um ano antes na Guatemala, um casal gay de irlandeses, uma chilena e seu namorado gallego (da Galícia) e outro casal israelense cuja garota um pouco acima do peso e desacostumada à ascenções desistiu da empreitada no meio do caminho. O guia era um sujeito atarracado com fala rápida e um pouco grosseiro que depois se mostrou ser suficientemente buena onda. A trupe se espremeu na van, eu na frente entre o motorista e o dito guia, que foram o caminho inteiro falando seu chileno rápido, supondo que eu não os entendia. Comentavam o acontecimento da tarde anterior, quando um sujeito de 67 anos e alemão tivera um ataque fulminante no coração durante a subida, morrendo a poucos metros da cratera. Também comentaram o acidente mortal de um rapaz, que escorregara por um flanco da montanha se espatifando 300 metros abaixo nas pedras que interrompem a rampa de neve. Quando perguntei quando isso tinha ocorrido eles ficaram surpresos ao descobrirem que eu entendia o sotaque carregado dos chilenos, que cortam os esses, juntam todas as palavras e usam interjeições como ja (iá) e cathcay (sacou?) em profusão, entre outras. Significava que eu entendera todos os comentários sobre as garotas da excursão, inclusive os sobre a brasileira. Pediram desculpas, um pouco envergonhados, e se mostraram a partir dali extremamente solícitos ao responderem minhas perguntas sobre o vulcão. Enquanto nos aproximávamos dele por uma estrada de terra em ascenção e cheia de curvas, o Villarrica foi se revelando entre as brumas que se dissiparam repentinamente assim que chegamos ao pé da montanha. E foi mais ou menos isso que me contaram:

O nome original do Villarrica é Quitralpillán, que na língua dos autóctones significa "morada flamejante dos antepassados". Acredita-se que os mapuches, os bravos guerreiros araucanos da região, possam ter sido os primeiros a subirem as encostas do vulcão. Também pode ser que os espanhóis tenham feito o mesmo, só que por outras razões: estariam atrás do enxofre, abundante neste que é um dos vulcões mais ativos do Chile, e que servia para a pólvora que mataria os já citados guerreiros. Sua última grande erupção foi em 1984. O guia disse que quase todas as registradas ocorreram no final de Novembro/começo de Dezembro, devido a um fenômeno não sustentado cientificamente causado pelo degelo comum dessa época, que lançaria uma quantidade de água na cratera suficiente para atiçar o vulcão. Não preciso nem conversar com meus amigos geólogos para refutar essa idéia, se bem que subir um vulcão ativo com a idéia de que geralmente entra em erupção exatamente na época em que você está subindo pode deixar tudo um pouco mais interessante. Tendo sido um guia de ecoturismo, sei que esse tipo de informação é um condimento potente para alguns que preferem imaginar estarem se lançando em aventuras perigosíssimas. Muitas vezes, os donos das agências instruem os guias a repassarem essas informações, com o devido antídoto, quando necessário, que é assegurar os mais inseguros de que se tudo der errado, há um plano B de fuga eficiente e testado em mãos.

A primeira parte da subida foi a única realmente radical e emocionante: um teleférico do começo do século passado nos levou até o começo de uma rampa de neve. Era uma cadeirinha onde mal cabíamos nós dois, sem barra de proteção frontal e que sacudia como papel ao vento. Brinquei com a Lu, fingindo que tinha soltado acidentalmente a mão do piolet, e isso quase aconteceu de verdade. Depois de descermos dele, começou uma caminhada de 3h e meia até o cume em zigue zague. A neve estava bem solta e não presicamos usar crampons. O grupo se portou bem e logo ultrapassamos alguns dos outros dez ou quinze grupos que subiam o Villarrica naquela manhã. Era tanta gente que por alguns momentos a subida parecia um pouco trivial demais. Essa impressão rapidamente desapareceu na primeeira das três paradas para descanço, quando o panorama me impressionou: víamos os lagos Villarrica e Caburga, as cidades lá embaixo e a fumaça venenosa logo acima das cabeças. Ao chegarmos à cratera, tivemos que achar um ponto vago em sua volta para fotografa-la, como estivessemos num zoológico ou numa visita guiada a um museu cheio de turistas japoneses. Os gases saíam não apenas pela cratera da morada flamejante dos antepassados como também por fissuras na parte sem neve à sua volta. De lá de cima (2847 mts) vimos o Tronador, o Lanín, a cordilheira e muitas outras coisas e lugares exquisitos (no sentido espanhol). A parte mais divertida foi descer o vulcão escorregando pelas encostas sempre com o piolet em mãos pronto para brecar descidas que perdessem o controle. Aproveitamos os caminhos abertos por outras bundas nos dias anteriores e escorregamos nesses tobogãs em grande velocidade, para a infelicidade de nossas bundas que congelaram e ficaram raladas. Chegamos na base do vulcão em pouco mais de uma hora de escorregadas. A Lu se deu muito bem nesse esporte, mostrando talento para atingir grande velocidade em pendentes.

Horas depois partimos para termas um pouco distantes, de onde saímos completamente amolecidos das piscinas com água de 40 graus relaxante e muito pisco sour na cabeça (bebida local) e dormimos na barraca como pedras vulcânicas ainda quentes, até a chuva nos acordar às cinco. Foi um dos momentos mais difíceis dos últimos tempos, já que termas são o melhor remédio para qualquer tipo de insônia e um potente relaxante muscular e nervoso para quem dorme numa barraca depois de subir um vulcão de mais de 2.88 mts. Colocamos roupa de chuva, desarmamos a barraca e arrumamos as mochilas nas costas, prontos para pegar o ônibus das 6h15 para Puerto Montt. Nao havíamos pago o camping, e não conseguimos acordar ninguém na casa que era sua sede. Tivemos que deixar a grana pendurada dentro de um saco plástico na porta de trás e sair correndo para não perder a condução até o santuário sulamericano para quem ama frutos do mar e cia.

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