2009/08/09

Abraçando Árvores

Lu, Cassim e Caio em nosso santuário, o Canal.

Vivo literalmente entre macacos-prego, aracuãs, mais gralhas azuis que eu veria em toda minha vida em Curitiba, tucanos, maritacas e toda uma sorte de bichos. O Valagão, nossa rua na encosta do canto dos araçás na Lagoa da Conceição, é a fronteira entre a parte urbana da laguna e os morros cobertos de mata atlântica em regeneração. Muitos compreendem como se pode sentir feliz e privilegiado por isso. Minha felicidade é ainda aumentada pelo fato de viver perto de um dos maiores sambaquis da ilha de Santa Catarina, que infelizmente foi desrespeitado pela expansão imobiliária e é ao meu ver menosprezado pelas autoridade e maioria dos moradores.

É uma pena constatar que há quem não consiga ver beleza na natureza ou com ela ter algum grau de intimidade. Um visitante me disse que não conseguiria viver aqui e ser acordado por pássaros todos os dias, que sente-se mal quando não escuta carros passando, o som da cidade, quando não sente nos olhos a poluição (!), gente amontoada nas calçadas, concreto por tudo. O mato ao redor de nossa casa é um vestígio já muito alterado e humanizado do ambiente natural, mas para ele, parecia a floresta amazônica, e disso queria distância. Concorda que precisamos preservar o meio-ambiente desde que isso não afete seu estilo de vida, e não vê o meio urbano inserido em algo infinitamente mais amplo, do qual toda a civilização depende, queira ou não queira. Disse que, como Sartre, tinha alergia à clorofila.

Os seres humanos parecem ter vivido por ao menos 100.000 anos como nômades, mergulhados numa natureza selvagem que não apenas lhes dava o sustento, mas da qual não podiam ser dissociados. E ainda que fosse terrivelmente ameaçadora e implacável, toda a devoção arcaica ao sobrenatural - da qual a fé e as religiões certamente descendem - era dirigida as suas forças e elementos. Esse sentimento de intimidade com o meio natural está, como diria Jack London, em nossa memória racial. Foram apenas nos últimos 6.000 anos que começamos a criar ambientes controlados, onde era minimizada a força aparentemente caótica da natureza, que ao mesmo tempo oferece vida e sustento, e morte e desolação sem piedade.

Menos de 10% da existência humana aconteceu em cidades. E se formos pensar nelas em termos de uma civilização urbana, muito menos ainda. Andamos na mata, nas savanas e nos campos mais tempo do que em shoppings. A alergia de meu amigo é mesmo muito séria, pois nega a maior parte da história de nossa espécie.

***

Mas ainda que ame a natureza e ache o máximo viver aqui, um ambiente urbano margeado por uma natureza em regeneração, compro minha comida no supermercado, tenho internet em casa, consumo bens programados para se tornarem obsoletos, ando de carro pra cima e pra baixo, produzo lixo e o que é pior, também gosto disso tudo (menos a parte dos bens programados para se tornarem obsoletos e uma de suas consequências: produzir lixo).

Ao menos, por gostar da natureza e passar boa parte dos bons momentos de minha vida nela, eu posso repensar minha conduta com mais facilidade e contribuir para que nosso suicídio coletivo demore mais para acontecer. Não é o caso de meu visitante, que é daqueles que ainda não acredita que preservar a floresta amazônica, por exemplo, seja melhor negócio que transformá-la num grande pasto rentável para o gado. Ou que acha que as leis ambientais são muito severas e imperram o progresso. Progresso? esqueceram de avisar o sujeito que estamos em 2009. Ele soa como um industrial da primeira metade do século XX, quando, em nome do progresso, valia até colocar chumbo na gasolina. E depois de todos os deslizamentos de terra que ceifaram muitas vidas nesse estado durante as chuvas de Novembro de 2008, não consegue perceber como ações humanas irresponsáveis trazem reações naturais catastróficas.

Meu visitante poderia prestar atenção na memória da raça humana. Poderia experimentar uma longa caminhada pela mata, de olho nas árvores, nos animais, com as narinas ligadas nas seivas, nos panoramas, acampando sob copas e mais copas, desfrutando do inigualável prazer de se conversar em volta de uma fogueira à noite (quando acendê-la é permitido , é feito com inteligência e não ameaça o meio natural) com os olhos nas chamas e os ouvidos nos sons da floresta, como fizeram nossos antepassados por milhares de anos.

Se ele se permitisse fazer isso ao menos uma vez, talvez as coisas fossem bem diferentes.

***
Eu quis expulsá-lo de minha casa. Chamou-me de abraça-árvores, e eu, ao invés de levar como um elogio, fiquei perturbado. Ele está doente e precisa de ajuda. Todos estamos. Mas quem sabe disso?

3 comentários:

Anônimo disse...

Grande Cassim, belas palavras e sentimentos emanam do meu amigo.

Concordo com seus argumentos, temos que poluir cada vez menos, gerar menos lixo, e usar tecnologias que que utilizem os recursos natuturais da melhor maneira possível.

Só assim poderemos acabar com o principal problema ambiental desse país, e de algums outros também, a fome.

Não só de comida, mas de comida e informação.

Não acho que as cidades estejam fora do contexto natural. Para mim o homen faz parte da natureza, assim como suas cidades, favelas etc.

Poderia citar inúmeros avanços decorrentes das cidades. Música, literatura, ciência etc.

Conheço muito bem florestas e região desprovidas de população humana, ou com baixo grau de civilização.

Adoro ambientes desérticos e o contato com essas paisagens.

Mas quando estou na cidade, também sei que estou diante da natureza, que sempre está em trasformação, mas em outra velocidade,em outra escala de tempo.

Nossa raça se desenvolveu graças a uma atenuação das temperaturas glaciais, um intervalo glacial.

Senão fosse o efeito estufa dar uma mãozinha na evolução, nosso planeta teria apenas microorganismos, extremófilos e vegetais inferiores na sua superfície.

Nosso futuro será bem gelado, e o será por causas naturais, devido a ciclo muito maior que o do homen na face da Terra.

Por isso, é bom dar valor a todas as coisas, e nunca se esqueçer que também somos a natureza.

Nunca destruiremos o planeta, a vida é muito mais esperta do que uma única raça.

As condições que permitem nossa vida aqui é que mudarão.

Estamos aqui de passagem meu amigo...

Gracias.
Branco.

P.s. Não se esqueça, a grande pluviosidade ocorrida em SC ano passado, junto com escorregamentos etc; faz parte de um conjunto de fatores.

Um ciclo denminado El Niño/La Ninã que ocorre a milhares de anos, independente do homen; e a evoluçao de vertentes, que quando desmatadas, ou não, sempre vão resultar em movimentos de massa.

Algumas áreas não deveriam ser loteadas e habitadas.

MSc. José Carlos Branco

Cassivellaunus Cassim disse...

Branco disse tudo!

Panda Lemon disse...

Minha mãe, esta última vez que esteve aqui, abraçou uma árvore no Parque Nacional de Linville e eu fiquei de longe, olhando, meio desconfiada. Daí ela, sorrindo, disse pra eu abraçar também. E eu pensei que não tinha mal nenhum em abraçar uma árvore, salvo os fatos de que poderia ter no tronco algum bicho, uma aranhinha, uma lagarta, insetos, formigas, etc. e aquele monte de gente no parque olhando. Meio sem graça, abracei a bentita árvore. Com um certo receio, uma dose de vergonha, me sentindo uma maluca, pensando no que os outros iriam pensar.

Depois que minha mãe voltou pro Brasil, fiquei cuidando da horta que plantamos juntas no quintal aqui de casa e comecei a lembrar, repetidamente, do meu abraço tão contido e meio desengonçado naquela árvore. De repente me senti uma idiota. Afinal, não há nada de errado em abraçar uma árvore, e o que é o abraço senão um sinal de apreço, de amor, de respeito àquilo que se abraça? Loucura é não termos noção disso e sentirmos vergonha ou acharmos absurdo o fato de que ainda existem no mundo pessoas que abraçam árvores.

Cassim, Lu, Caio e Branco, saudades de vcs...