2007/10/26

RALANDO OS OSSOS NO GRANDE SUR - A VOLTA DE CASSIM & SUA TURMA (agora em Floripa)

Janela indiscreta: sempre de olho na vizinhança em Floripa.
Aqui estou escrevendo novamente sobre aventuras & delírios subtropicais, música e algumas dicas de como se lidar com esse final dos tempos que começou na idade-média e que ainda não tem data para terminar (se tem, ainda não avisaram os visionários usuais).
Tudo começou no ano passado, em Dezembro de 2006. Depois de Puero Montt, eu e a Lu nos metemos em uma roubada em Quellón, última cidade no sul da ilha de Chiloé, no Chile meridional. Esperávamos pegar um ferry que partiria dali no dia seguinte para Puerto Chacabuco, na Carretera Austral. Quellón pareceu bem diferente da cidadezinha pesqueira pitoresca & um tanto mágica, com ventos que faziam o tempo mudar drasticamente de quinze em quinze minutos, que eu conhecera dez anos antes com meu chapa André Biscaia e sua então namorada Marina. O tempo dessa vez não mudava: estava irremediavelmente ruim, e assim ficaria. A última imagem que guardara era a do retorno de barco da ilha Laitec onde tínhamos acampado em 1996. Tínhamos entrado na baía cercados por pingüins e golfinhos num dia que se alternava entre ensolarado e nublado, e nos deparamos com um Curanto comunitário bem na rua central, pescadores gente-fina e sua gente compartilhando a orgia de carnes que é esse prato/acontecimento chileno. Em 2006, ninguém parecia gente-fina, senti cheiro de crack no ar, e o pior - a barca atrasaria e não tinha mais nem passagens, nem espaço para mais dois.
Na tarde de nossa chegada, Lu preferiu tirar uma pestana na hospedaje enquanto fui caminhar pela rua que margeia a baía de Quellón. Fiquei olhando o mar gelado, tentando descobrir o que fazer quando a grana e consequentemente a viagem acabasse. Eu tinha deixado meu emprego como programador de uma rádio de Curitiba e realmente não sabia bem o que fazer de minha vida. Lu também havia abandonado a Gazeta, de modo que pensamos seriamente em ficar pelo caminho.
Voltamos correndo para Castro onde ficamos por dois dias sem fazer grandes coisas e nos mandamos direto para Santiago do Chile para ver a ação: Pinochet havia morrido no dia anterior, e a cidade estava em convulsão por causa dos enfrentamentos quase não-pacíficos entre os pró-general (minoria) e os contra. Tiramos muitas fotos de manifestações e fizemos vídeos, para depois comprarmos salmão fresquíssimo, que a Lu preparou na cozinha de um hotel muito barato & decente a duas quadras do mercado municipal da capital.
Em seguida, atravessamos os Andes numa van até Medoza, na Argentina, onde fizemos amizades, bebemos muito vinho nas bodegas e decidimos voltar para os Andes, mais precisamente para Puente Del Inca, a 3.000 mts de altitude ou algo que o valha, bem na base do Aconcagua. Ficamos num albergue de escaladores que mereceria um relato à parte - prometo fazê-lo depois de checar os fatos com a Lu - e conhecemos o casal inglês Daniel and Lora, que se tornariam nossos grandes amigos. Juntos, fizemos uma bela caminhada na entrada do parque do Aconcágua até os 4.200 mts, e de lá, para Mendoza, e de Mendoza de ônibus (sempre nos primeiros assentos da parte superior para aproveitar a visão panorâmica dos buses argentinos) para a capital federal de Buenos Aires, minha cidade grande predileta do momento. E então nossa grana acabou, e já era Natal. E agora?
DIAS IDÍLICOS NA ILHA DAS PEÇAS
O Natal passou e o ano-novo foi com amigos na Ilha das Peças. Sem dinheiro, notei que era melhor ficar por lá mesmo, onde poderíamos pensar sobre tudo e arquitetar um novo plano para 2007 sem gastar praticamente nada. Foram dias idílicos - nós dois na casa de meus pais, às vezes visitados por nosso vizinho, o local Gentil, que sempre nos dava peixes que pescava bem na frente de casa. Lua de mel? envergonha-me pensar em termos tão mundanos, mas pode-se dizer que sim. A casa precisava de uma reforma, e nos empenhamos em limpá-la e acabar com os cupins. Passávamos as noites com a companhia de Hermann, um sapo que morava na varanda, e depois de algumas semanas, nosso amigo local Renato começou a aparecer e tivemos idéias juntos, muitas idéias, que é o que acontece quando você bebe bastante cataia com mel. Ele tinha acabado de fundar a Associação dos Condutores da Ilha das Peças, e pensamos em ajudar os adolescentes da ilha que estavam se agilizando para ganhar um troco com turistas e ajudar a cuidar dessa parte quase intocada da mata atlântica paranaense. Fizemos passeios com o Renato, subimos cachoeiras de água cristalina que despencavam das montanhas no canal entre a ilha e o continente, nadamos em águas verdadeiramente infestadas de jacarés, vimos sambaquis impressionantes, com ossadas inteiras dependuradas nas encostas, andamos todos os dias de caiaque - eu me meti em uma quase muito séria roubada numa travessia até a praia da Coroa - onde há um sambaqui e histórias de fantasmas que assustam os ilhéus - por causa do cálculo errado da maré e de uma ousadia que me custou um ataque de pânico no meio da baía; e ainda: caminhamos, lemos como nunca (Garcia Marques, David Sedaris, Ed Bueno - com quem conversei no telefone num dia em que funcionou, Nietchze e muitos relatos sociológicos sobre a cultura Caiçara, além de gibis, national geographics e o diabo) , ouvimos rádios à noite e demos graças por não termos uma TV, comemos muita batata e tomate (é barato), limpamos a fossa cheia por causa das chuvas intensas duas vezes, fiz bases sonoras eletrônicas com referência de Fandango para os rappers locais & muito mais. Dois meses se passaram, com poucas visitas à Paranaguá para ir ao banco receber empréstimos e comprar provisões, mais escassas visitas a Curitiba para tocar e fazer pequenos trambiques de tradução, e quando vimos, três meses haviam se passado.
Pensamos em desenvolver idéias rentáveis mas bem úteis para a ilha para ir ficando, e realmente nos envolvemos em algumas com o Renato, que está fazendo coisas interessantes na comunidade, resgatando a história dos caiçaras & mais. Mas o roque me chamou mais uma vez e eu voltei para Curitiba para tocar e ensaiar. Ficamos em Curitiba em Abril, e já planejávamos nossa volta para a ilha, embora um pouco perdidos & duros, quando meu amigo Zé do Bule me ligou de Florianópolis.
FLORIPA OU MELHOR, MEIEMBIPE, OU AINDA, Y-JURERÊ MIRIM.
Ele tinha boas novas: a agência de publicidade onde trabalhava estava precisando de um redator, mas não exatamente um publicitário. Entendi mais ou menos o que isso significava: poderia ganhar um troco escrevendo para viver em Floripa. Nos últimos dias de Abril, fomos com nossos amigos Dani Lange, Marcelus e Johana para o litoral norte de SP para algum surfe, e de lá peguei ônibus e caronas até Santos, de onde parti para a ilha chamada pelos carijós (ou guaranis, já que hoje se acredita que carijó é o mestiço) de Meiembipe ou Y-Jurerê Mirim. Nomes bem mais simpáticos do que Florianópolis, derivado desse sanguinário marechal. Dia 2 de Maio, eu já estava trabalhando.
Semana que vem completo 6 meses aqui. Tive a bem-aventurança de alugar uma casa situada numa vizinhança espetacular - o Canto dos Araçás - que é um morro logo acima da Lagoa da Conceição, vista panorâmica, gralhas azuis fazendo algazarra todas as manhãs, macacos, bananas, etc etc & etc. Tenho muito o que contar sobre o sítio, sua gente, as aparições que se revelam aqui e ali como fantasmas de carne & osso que só um lugar como esse consegue abrigar, as aventuras por trilhas, lagoa & mar, e a satisfação de estar muito perto de um dos maiores sambaquis do mundo. Tudo isso, e mais sobre o Bad Folks e seu bem bom disco, as músicas que compus aqui, duplas caipiras e mais que contarei logo, e aqui mesmo.

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